sábado, 28 de abril de 2012

Almodóvar: um adjetivo sem sinônimos


Um dos cineastas mais brilhantes dos últimos tempos, cujo sobrenome se tornou um adjetivo (e não encontramos sinônimos para ele) é hoje um homem que valoriza a sua privacidade. Apesar de admitir sem receios de que seus filmes são um pouco autobiográficos, é difícil traçar um perfil que corresponda a sua pessoa. Ele está em cada personagem que cria, em cada frase concisa que escreve para eles.
Pedro Almodóvar, atualmente, é um homem sóbrio. Vive aparentemente tranquilo em seu espaço, mas percebemos que a mente deste gênio não para um segundo, quando vemos suas entrevistas.
Ele caminha na contramão dos demais diretores do mundo. Enquanto qualquer profissional sonha em trabalhar em Hollywood, Pedro rechaça constantemente o assédio da grande indústria do cinema mundial. E assim foi desde o começo em que seu nome passou a ser conhecido internacionalmente. Filmes como "Mudança de Hábito" e "Para Wong Foo: obrigado por tudo" teriam sua firma, mas ele não aceitou. Queria continuar sendo autêntico e levar apenas para o cinema,  a visão que ele cria sobre o mundo. 
É interessante escutá-lo quando conta como enxerga o começo de sua carreira. A correria em compaginar o cargo simples que tinha na parteTelefônica com o processo de criação, execução e divulgação de seus primeiros filmes.
É impossível falar sobre a "movida madrileña" sem mencionar seu nome. Pedro retratou toda a euforia e transgressão que vivera a sociedade espanhola pós-franquista em sua arte. Era uma época totalmente underground, transgressora e de liberação. Peça fundamental na imagem da Espanha que pretendia sintonizar-se com outros países europeus que gozavam da livre expressão. 

Hoje, ele é o resultado da sobrevivência daquela época transloucada. Conta que tem enxaquecas, fotofobia e vive de forma mais introspectiva. Declara que atualmente,  a necessidade de criar é maior que outrora e que suas manias e excentricidades já não lhe tiram o sossego. Vive em paz consigo mesmo.
É interessante quando revela a fábrica que produz o universo almodovariano. Creio que todos que escrevem, veem  o mundo de uma forma diferente, assim como um arquiteto enxerga um edifício de maneira distinta a dos demais. A musa inspiradora pode chegar a qualquer momento e em qualquer lugar.
Assistindo a uma entrevista que ele concedeu a Andrés Buenafuente em 2009, quando estava divulgando o filme "Abraços Partidos" (Los Abrazos Rotos), fiquei encantado em saber como surgiu o roteiro deste filme.

 Há doze anos, quando estava em Lanzarote, Pedro fez a imagem que vemos à esquerda. - (Ele diz que esta paisagem é mais mental que real) - E foi somente quando revelou a foto que percebeu o casal, entregado a um abraço visivelmente furtivo. A partir desse momento, sua cabeça começou a maquinar o enredo de "Abrazos Rotos".
Almodóvar reconhece o seu sucesso sem falsas modéstias e não consegue entender como a sociedade espanhola não aceita que seus artistas não sejam militantes de suas ideologias políticas. Sofreu represália dos meios de comunicação direitistas, quando protestava contra o governo, na época da guerra do Iraque. Admite também, sem vitimismo, que é alvo da inveja de seus colegas, já que ganha inúmeros prêmios fora da Espanha, mas dificilmente seu trabalho é reconhecido pela Academia Espanhola de Cinema. Não protesta porque não lhe premiam, mas sim pela a equipe que trabalha com ele. Afinal, Pedro Almodóvar não tem a mínima necessidade de ganhar mais algum prêmio. Por duas razões: o reconhecimento de seu trabalho está mais do que consolidado e o amadurecimento lhe trouxe a tranquilidade de estar em paz com o próprio ego.
O diretor manchego sente satisfação em ter realizado o maior desejo de sua mãe, que era comprar uma casa na mesma rua em que vivera toda sua vida, em Calzada de Calatrava (Cidade Real), com o dinheiro que ganhara de seu trabalho como diretor de cinema. Fala de sua progenitora com muito carinho e alegria, mas a saudade latente é perceptível em seu olhar.  Diz que continua sendo a mesma pessoa simples de antes e que o fato de ter saído de um povoado pequeno do interior da Espanha e ter se tornado rico, não mudou a sua forma de entender e viver a vida. 

                                               Paixão pelo Brasil


Ao longo de sua carreira, podemos ver o quanto ele é honesto quando diz ser um apaixonado pelo Brasil. Analisando sua filmografia, vemos que desde o início, ele sempre demonstrou ser um conhecedor da nossa música e cultura. 
No filme "A Lei do Desejo" (La Ley del Deseo), de 1987, ele escolheu a voz de Maysa cantando "Ne Me Quite Pass", das centenas de interpretações que esta canção teve no mundo inteiro.


 No filme "Fale com Ela" (Hable con Ella),  de 2002, ilustra a cena da personagem de Rosário Flores em uma praça de touros, com a música de Tom Jobim, "Por Toda Minha Vida", interpretada por Elis Regina.


Também no filme "Fale com Ela", ele constrói uma cena que só cabe no contexto do filme, por ser ele, o criador. Caetano Veloso e o magnifico Jaques Morelenbaum aparecem com a música "Cucurrucu Paloma". Pedro disse que desde que vira o baiano intepretando a canção do compositor mexicano Tomáz Mendes, decidira que o colocaria em algum de seus filmes.

 
Em seu último filme, "A Pele que Habito" (La Piel que Habito), dois de seus personagens são originários do Brasil, um deles é o protagonista Dr. Robert Ledgard, interpretado por Antonio Banderas, que é um cirurgião plástico. Pedro diz que decidiu que fora brasileiro, em homenagem a Ivo Pitanguy. Além disso, a mulher do Dr. Ledgard se chama Gal, em homenagem a Gal Costa.

  
Pedro Almodóvar é indubitavelmente um dos nomes mais relevantes do cinema mundial. Sua filmografia está repleta de personagens que beiram ao surrealismo e normalmente vivem em um universo que não está estabelecido pela moral comum.  Oriundo de um gênero híbrido entre o drama e o humor, onde cores almodovarianas contrastam luz e escuridão.
Se pudéssemos dar um sinônimo ao adjetivo "almodovariano", provavelmente Nelson Rodrigues seria um.

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