quarta-feira, 13 de junho de 2012

Espanha: quando o sonho se torna um pesadelo


A imigração faz parte da história da humanidade. Entrar em outro país à procura de uma vida melhor é o sonho de muitos que estão insatisfeitos com os lugares onde vivem. Geralmente o que leva as pessoas abandonarem a terra natal para ir à uma terra estrangeira é o fator econômico, apesar de haver uma lista ampla de outros motivos.
Foi na época da ditadura franquista que Espanha começou a se desenvolver, baseada no crescimento da indústria e do turismo. Com a morte de Franco em 1975, o país transitou da ditadura à democracia e o novo regime foi consolidado na década de 80, com a integração europeia. Em 1992, dois grandes eventos marcaram um antes e um depois no país ibérico. A Expo de Sevilha e as Olímpiadas de Barcelona projetaram Espanha internacionalmente, aumentando ainda mais o turismo. Quatro anos depois, no início do governo de José Maria Aznar, o então ministro de Economia, Rodrigo Rato, baixou impostos e enxugou a máquina estatal. Em 1998, com a aprovação da lei do solo, que permitia privatizar e edificar em terrenos rústicos, iniciou-se o boom do tijolo. O crédito barato permitiu que grande parte da população espanhola pudesse realizar o sonho da casa própria.
Quando cheguei em Madri em 2001, existia uma enorme oferta de emprego. Os espanhóis não queriam trabalhar na construção civil. Faltavam também empregadas domésticas, garçons, cozinheiros, jardineiros, funcionários em supermercados, etc. Postos de trabalho que não exigiam muita qualificação e que podiam ser ocupados por qualquer pessoa. Com a grande oferta e falta de demanda, a imigração era algo mais que necessária, era imprescindível. A partir daí, vieram pessoas de todos os lugares do mundo.
Ao longo dos anos morando aqui, pude conhecer gente de várias nacionalidades. E independente dos pontos de origem e culturas, o desejo delas era o mesmo: trabalhar e ter uma vida digna. Deixando de lado a realidade paralela dos que estavam ilegais e eram explorados por empresários escravistas, Espanha parecia o lugar ideal para começar uma vida nova. Um país incrivelmente lindo em muitos aspectos, como a geografia, história, cultura, gastronomia, etc. A integração com a sociedade espanhola não é difícil e apesar de alguns conflitos gerados entre o choque de culturas, é possível conviver em paz e harmonia. O balanço é  positivo, quando olhamos desse ângulo.
Durante uma década o país gozava de pleno emprego. Era a sinfonia da orquestra entre construtores e banqueiros. Qualquer um que entrasse em um banco solicitando crédito para comprar uma casa, saia com dinheiro para o apartamento, a mobília e até para a viagem de lua de mel. Usando uma expressão de moda no Brasil que eu acho engraçada: "os imigrantes pirava".
Com a abundância em terra espanhola, muitos dos que estavam aqui convenceram os seus para que se mudassem para cá. Era comum que as pessoas vendessem o que tinham em seus países e viessem apenas com as malas. Faziam empréstimos e investiam no sonho espanhol. Famílias inteiras vinham com a esperança de uma vida melhor. A moeda nova, o euro, tinha força e "iria substituir  o dólar". Educação e saúde de qualidade grátis para todos. E independente das condições, trabalho não faltava.
Nos últimos anos, o número de residentes estrangeiros na Espanha passou a ser de  5.251.094, segundo o censo que é realizado baseado nos registros feitos nas prefeituras. Acredito que esse número ultrapassa os seis milhões, pois muitos são os que não fazem a inscrição e vivem de forma clandestina.
Há quatro anos, com o início da crise econômica mundial, a bolha imobiliária estourou na Espanha. Não resistiu ao sistema que fabricava ilusão. A especulação foi apenas um dos pequenos fatores para que isso acontecesse. O mercado da construção civil desapareceu, deixando milhares de desempregados de forma direta e milhões de forma indireta. O desemprego começou a ser um problema e as pessoas ficaram sem poder cumprir com o compromisso da hipoteca.


A atualidade é cruel quando comparamos com as perspectivas oferecidas há dez anos. Mais de um milhão de casas vazias, milhares de construções pela metade e mais de duzentas famílias são despejadas diariamente de seus lares, por incumprimento com a dívida. O número de pobres e desempregados aumenta a cada dia e as medidas tomadas pelo governo são técnicas e dacronianas. São mais de 5 milhões de pessoas sem trabalho, cerca de 24% da população ativa.
A situação é ainda mais dramática para os que vieram com tantas esperanças e que agora se veem obrigados a voltarem com menos do que tinham. São vários os casos de pessoas que não tem dinheiro nem para comer e menos ainda para comprarem uma passagem de avião. O projeto social de retorno voluntário adotado pela Espanha que oferecia o bilhete aéreo e 400 euros não tem fundos para a demanda que existe e esse benefício já atingiu a cota de 2012.
O estado de vulnerabilidade de milhões de pessoas é explícito. Ficam estampadas no rosto de muitos, a agonia e a tristeza de verem um sonho se transformar em pesadelo.

Um comentário:

adriana miranda disse...

muito bom texto, concordo com tudo, estou na espanha ha 20 anos, cheguei aqui quando nao havia quase estrangeiros, vi a chegada dos primeiros imigrantes, vivi com a peseta muitos anos, formei uma familia, trabalhei muito. Agora, neste momento que vive Espanha, se eu pudesse escolher, sairia daqui sem pensar. A situaçao esta critica demais e mesmo eu como brasileira acostumada a crises e mais crises, nao me lembro ter passado uma situaçao tao degradante assim...desculpe o desabafo