terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Para Cláudia Wonder, obrigado por tudo!


No dia 26 do mês passado, faleceu, em decorrência de uma criptococose, a polifacética Cláudia Wonder, uma das pioneiras na luta pelos Direitos Humanos GLBT no Brasil.
Cantora, compositora, escritora, colunista, atriz, artista performer e um ser humano cheio de virtudes admiráveis. 
Cláudia nasceu em São Paulo, no ano de 1954. Desde pequena, descobriu sua intersexualidade e já na adolescência começou a frequentar a noite paulista. Fazendo performances de Judy Garland, Marylin Monroe e  de outras divas da época, rapidamente passou a ser um dos nomes mais importatantes das grandes casas de espetáculos de transformismo.

Logo partiu para o teatro e cinema, chegando a substituir Sônia Braga no espetáculo teatral, dirigido por Zé Celso, “O Homem e o Cavalo”. No cinema, contracenou com atores relevantes, sob a direção de Carlos Manga, Hector Babenco, Lauro César Muniz, Alfredo Sterhein, entre outros.



Enquanto nos anos oitenta, os espanhóis viviam a explosão da “movida madrileña”, Cláudia Wonder protagonizava o que poderíamos chamar de “movida paulista”. Transgressora e ousada, foi vocalista do grupo de rock “O Jardim das Delícias” e impactou os espectadores da lendária Madame Satã, com o show “O vômito do mito”, no qual ela demonstrava que uma transexual também era capaz de cantar, além de dublar. Foi o grande ícone do cenário underground  daquela época. 

Pelo talento e a proposta que oferecia para a sociedade, deveria ter alcançado a fama na esfera nacional. Mas ao contrário do que aconteceu aqui na Espanha, depois da ditadura, o Brasil continuou sendo um país conservador e fechado, incapaz de reconhecer sua arte e ousadia. A hipocrisia da moralidade e dos bons costumes manteve Cláudia à margem e, no meu ponto de vista, considero lamentável que sua voz (em todos os sentidos) não teve o alcance merecido.

As transexuais sofrem uma batalha diária na grande guerra que é a própria vida para elas. Discriminadas e repudiadas, desde que acordam até a hora de irem dormir, ousar romper essa norma é um verdadeiro mérito. Cláudia Wonder foi uma das primeiras a reinvidicar o direito ao respeito e a igualdade na sociedade.

 Enquanto o país lutava pela redemocratização, ela militava para que as travestis não fossem assassinadas nas ruas. No dia em que foi anunciada a morte de Tancredo Neves, Cláudia organizou uma passeata, talvez a primeira no Brasil, protestando pelo tratamento violento que sofriam os homossexuais e transgêneros. O evento foi ofuscado pela notícia do falecimento do presidente.

Foi coordenadora do Grupo de Estudos da Identidade de Gênero, Flor do Asfalto. Trabalhava como monitora de abordagem e comunicação do Centro de Referência da Diversidade,  da cidade de São Paulo, que presta assistência às pessoas marginalizadas.
Era militante de alma. Lutava pelo que acreditava. Inteligente e valente. Não aceitava o patamar de inferior e brigou até seus últimos dias pelas pessoas em situações extremas de vulnerabilidade. 

A militância GLBT no Brasil perdeu uma de suas maiores representantes.

Costumamos admirar o que nos identifica. Qualquer pessoa que possua qualidades humanas básicas e seja consciente da realidade injusta em que vivemos, vê na figura de Cláudia, a expressão exata da voz que gritava para os ouvidos surdos dos humanos medíocres.
No documentário “Meu Amigo Cláudia”, de Dácio Pinheiro, podemos conhecer um pouco sobre sua trajetória artística e pessoal, sem dúvida, uma grande lição para todos nós.
 
“Existe um grande preconceito entre os discriminados. É o gay que não gosta de travesti, é travesti que não gosta de sapatão. É transexual que não gosta de ser confundida com travesti. É dizer, tudo isso é gerado pela homofobia internalizada de cada um. No fundo ninguém quer ser viado, ninguém quer ser sapatão. Todo mundo quer parecer bonitinho e limpinho.” (Cláudia Wonder).

Um comentário:

mlrusso disse...

Fantástico poder conhecer mentes e almas brilhantes!

Lástima que nos deixam cedo..

Não conheci o trabalho da Claudia, mas pela explanação, certamente eu teria gostado muito. Fica para um outro plano!
Muito bom Dirceu, você mostrar a outra cara do nosso país.
A inteligente,nobre, sensível, artista, engajada,produtiva e com uma dignidade invejável. A conservadora, hipócrita, e servil.. todos nós conhecemos.