"
Apesar de tudo, ainda acredito na espécie humana"
(Anne Frank, menina judia assassinada pelos nazistas)
Hail Mott!!!
Venho neste espaço denunciar algo muito triste e revoltante que ocorreu a minha pessoa e gostaria de fazer alguns apontamentos.
Resolvi
escrever este aritgo por vários motivos, mas o principal é o de tirar
dúvidas a respeito de uma agressão homo/transfóbica por mim sofrida no
ultimo sábado, quando retornava tranquilamente de uma festa de
aniversário. E também por acreditar na enorme importância das pessoas
que sofrem este tipo de violência tornarem-se portadoras do proprio
grito de justiça. Na midia em geral, geralmente este tipo de assunto é
apresnetado por terceiros, por maus jornalistas que têm o hábito de
distorcer a realidade e pior, coisificar os individuos, como se
fossemos coisas, meros pedaços de carne, usados como materia para
noticia. Espero não ser injusta com ninguém.
Peço desculpas por
ter demorado mais de uma semana para publicar este relato, mas se
demorei tanto foi pelo fato de que sofri uma terrivel pressão
psicológica, a qual foi capaz de fazer fugira as palavras. E por que
trata-se de um tema que não se pode apresentar com exatidão, mesmo
usando todas a palavras do mundo.
Voltava apressadamente por volta das 4 horas da manhã junto a alguns
companheiros, de uma festa de aniversário que havia ocorrido no Largo
da Ordem, centro histórico curitibano e espaço de socialização de
jovens que não têm acesso as boates e clubes de classe média, Corríamos
pois um colega nosso se apresentava embriagado –nada demais, acredito-
e nos dirigíamos a algum hospital ou procurávamos um modo de
minimamente colocá-lo num ônibus e despachá-lo para casa em segurança.
Foi nesse momento que, ao ver ao longe a aproximação de algumas
pessoas, me adiantei para pedir socorro. Não sabia mas quem vinha pela
rua escura (estávamos na altura do Cemitério Municipal) era meu algoz.
Tinha o sangue nos olhos, as faces retorcidas pelo ódio, o ímpeto de
descontar sua ira contra um alvo mais fraco.
A cena que seguiu
sinceramente gostaria de esquecer. Aos gritos de “vou bater num viado,
começando por esse aqui”, veio na minha direção. Tentei fugir, mas ao
virar as costas senti o peso do primeiro chute, covarde, nas costas, e
meu corpo caindo na calçada. Neste momento, só pensei em seguir a
Cartilha : defender a cabeça e os pontos vitais, enquanto gritava
pedindo por socorro e clamando misericórdia por parte dos agressores
(foram 3 pelo que me contaram, na ânsia por me defender só conseguia
enxergar um deles), pedia perdão desesperadamente pelo crime que havia
cometido- o crime de ser “viado”, ao mesmo tempo em que jurava minha
improvável inocência- por ser “trans” trajava vestimentas do “sexo
oposto”, “escandalosas”, como diria a minha mãe (afinal a culpa é
sempre da vítima).
2 dias depois, ainda sem rumo , transtornada
pelo choque da violência e sem saber para onde me dirigir e o que
fazer, fui a faculdade e lá encontrei com alguns amigos, que,
indignados pela situação resolveram me acompanhar na via crucis
burocrática. Passamos, em primeiro lugar, na PRAE (Pró-Reitoria de
Assuntos Estudantis) da UFPR, que não tomou rigorosamente providência
nenhuma. Apesar de não estar devidamente matriculada neste semestre, o
que foi pedido a instituição UFPR, não era nada além de um atendimento
humanitário a alguém que precisava de um apoio simples. Como meus
amigos também estão inscritos no que se convencionou como segmento
LGBT, temíamos discriminação ou mesmo truculência por parte da policia
quando fossemos a delegacia (o que de fato aconteceu). Mas até mesmo a
isto a instituição se negou, alegando problemas burocráticos.
Não
teríamos conseguido sequer registrar o Boletim de Ocorrência se não
fosse a presença do professor Pedro Bodê, cujo nome faço questão de
incluir no meu relato, juntamente com meus sinceros aplausos e minhas
Moçoes de Louvor. O atendente do 1º teve a falta de humanidade de se
negar a nos atender e registrar o caso, alegando que não poderia
fazê-lo a menos que reconhecesse o agressor. Ora, não é função da
Polícia investigar? Estamos pagando pesados impostos, para que as
instituições façam “corpo-mole” ajudando na fuga desse tipo de
criminoso, que, alias, faz o serviço sujo do sistema, tirando os
‘viados’ de circulação? Fico pensando nos inúmeros casos de travestis
que alem de terem que se contentar com a imposição da prostituição como
ganha-pão, ainda ficam a mercê de atentados deste tipo, surras com
extintor, pauladas de desconhecidos, tiros, assassinados. E sempre a
culpa é delas que “aprontam”.
Em meio a vociferações, ameaças
simbólicas e abusos de poder, só fmos atendidos na delegacia quando
entrou o professor, junto com um advogado ligado a Comissão de Direitos
Humanos. Ai só faltou o delegado nos oferecer cafezinho...
Ora,
sabemos que estes casos costumam ficar impunes no nosso pais. Mas na
minha concepção, e posso estar muito enganada. Ao me permitir fazer a
queixa os policiais não estaria me prestando nenhum favor, pelo
contrário, além de serem pagos com dinheiro do contribuinte (mal pagos,
muitas vezes, façamos a justa ressalva) ainda teriam com meu relato a
oportunidade de prender um provável futuro assassino ou genocida
homofóbico, caso houvesse vontade política. Foi pensando nisso, que
numa espécie de “dever cívico” de denunciar um maníaco perigoso (vai
que, em vez de um ‘viado’ ele pegue o filho de um Policial Civil, por
engano), que me dirigi a delegacia.
No outro dia fui com meus
amigos e o advogado fazer o exame de Corpo de Delito. Mais uma vez tive
que deslocar pessoas, pois tinha medo de ser discriminada, ou de ouvir
comentários “carinhosos” como aquele que teve de ouvir um colega nosso,
agredido a anos atrás, da boca de uma enfermeira- “agora, vê se
aprende”; ou talvez até algo pior, já que no recinto do consultório o
médico teria acesso ao meu corpo. Mas tudo transcorreu como de praxe.
Minha suposta identidade de gênero em momento algum fora respeitada.
“’nome social’, o que é isso, mesmo?” . Mediram com uma régua os meus
ferimentos, com o mesmo grau de humanidade e com o mesma objetividade
científica que se mede uma rua ou um pedaço de carne. Mas, como disse,
fora apenas um exame de rotina.
Só não entendo por que ate
agora nem o SUS nem o IML conseguiram me garantir acesso a um raio-X do
nariz, que creio ter sido fraturado. E agora permitam voltar a minha
subjetividade. A uma semana que não consigo me olhar no espelho. Meu
nariz torto é um símbolo, uma marca de que a “Milicia Heteronormativa”
conseguiu fazer seu trabalho infame no meu corpo. Meu rosto é um aviso
muito claro aos meus companheiros: “Cuidado, você pode ser o próximo”.
Se o objetivo desse verdadeiro grupo de torturadores era me atingir
psicologicamente e moralmente, acertaram em cheio. Tenho medo de sair a
noite e até durante o dia. Deixei de freqüentar alguns eventos na
faculdade, com medo de ser novamente agredida, ou me expor a alguma
chacota por parte de algum colega homofóbico, politicamente correto o
bastante para não destilar seu preconceito na minha frente. Cada hora
do relógio, depois que o sol se põe é como um lembrete de que outro
agressor, ou o mesmo, pode estar se aproximando. Ainda hoje pela manhã,
quando voltava do supermercado, me vi correndo em direção a um grupo de
estudantes, pois tive a sensação de estar sendo seguida por um
individuo suspeito.
Vejo-me ainda mais revoltada com a situação,
pois a menos de uma semana do caso de violência a que fui submetida, o
Kit contra a Homofobia (que prefiro chamar de Kit anti-hipocrisia) fora
cancelado pela President@ Dilma. Tenho longas criticas a fazer ao
material, mas essa negativa me negaria, como profissional da educação
de explicar aos meus alunos assustados o porquê da violência e a crise
que sua professora estaria sofrendo. É terrível e assustador vivermos
num pais no qual bandidos armados e comcerteza da impunidade, se vêm no
direito de espancar outros cidadãos por motivo absolutamente torpe e
não podemos sequer falar sobre a assunto por ser um “tabu” e as
“criancinhas”, estudantes secundaristas criadas assistindo BBB (algumas
delas serão futuramente espancadas sem saber o motivo) ,não podem
discutir ‘homofobia’ em sala-de-aula.
Apoio e vejo a importância
vital de se criar estatísticas cada vez mais apuradas sobre o campeão
mundial de homofobia (Brasil) , mas preciso desabafar. Uma coisa é ler
números frios num pedaço de papel. Outra totalmente diferente é sentir
o coturno pesado do agressor, no exato momento em que desfigura
violentamente o nosso rosto. Uma coisa é ter acesso a trabalhos
acadêmicos que tentam explicar a motivação homofóbica de tais crimes.
Outra é sentir a dor das correntadas nos braços enquanto nos agachamos
junto a parede, em posição fetal, implorando por socorro e torcendo e
rezando para que os agressores não puxem facas ou revólveres para
“terminar ali o serviço” .
Felizmente para mim, meus
companheiros acorreram em meu auxilio, me levaram a um posto de
gasolina, onde recebi os primeiro cuidados, onde meu rosto foi limpo,
onde tentava desesperadamente limpar meus cabelos claros tingidos de
vermelho pelo sangue que jorrava de um ferimento profundo na cabeça- a
população LGBT é a única que não sabe como será recebida em casa depois
de um avento deste tipo e não queria deixar minha mãe preocupada.
Muitos não tem essa sorte. Muitos não voltam para casa.
Espero
que meu relato sirva de alerta as autoridades (mais um) você sabe onde
está seu/sua filho(a)? Estaria ela ou ele procurando alguma alvo frágil
para descontar sua raiva, ou sendo espancado covarde e inocentemente,
simplesmente por ter um “comportamento” que alguns acham que tem o
direito “divino” de punir ? E espero que as autoridades façam alguma
coisa para impedir que casos destes continuem acontecendo. Seja como
for aprendi da pior (ou melhor) e mais dolorosa maneira a minha grande
lição sobre o que é homo/lesbo/transfobia: literalmente na ‘base do
porrada’. Espero que o caro leitor ou seus próximos não precise passar
pelo mesmo sofrimento.
Postado por
Dorothy Lavigne
http://alemdaparada.blogspot.com/2011/05/nada-como-sentir-na-pele.html
De acordo com o último relatório do Projeto de Monitoramento de Assassinatos de Pessoas Trans, que controla o número destes tipos de crimes em 42 países, de janeiro de 2008 até dezembro de 2010, no Brasil foram cometidos 227 homicídios dos 539 registrados.
Não queremos que o governo faça propaganda de "opção sexual", queremos que apenas garanta os direitos básicos de cidadãos que são marginalizados por uma sociedade hipócrita e cruel.