Escrever é um exercício que eu realmente gosto. E muitas vezes quando estou dissertando sobre algum assunto determinado, vou digitando sem pensar muito no resultado e independente dele, sinto essa satisfação que somente as pessoas que o faz, conhece. Funciona como terapia, pois exorcizamos demônios ao exteriorizar nossas inquietações. Tento ser discreto quando falo dos meus sentimentos, tento não, talvez eu realmente seja assim. Por isso uso metáforas. A interpretação fica livre para quem lê. Quando isso ocorre, quando alguém entende o que exponho, existe essa sensação mágica de sintonia e automaticamente se reitera a crença de que estamos todos conectados, alguns mais e outros menos, pois cada um tem o seu próprio tempo. É bom saber que somos vários que coexistimos na mesma vibração. Somos felizes naturalmente e não dependemos de ninguém para sentir a felicidade. Mas como qualquer outro sentimento, quando vemos reflexos em outros pontos, a sensação se multiplica. Sentimento de identidade coletiva.
Mas também gosto de escrever de forma objetiva e pragmática. Deixar meu ponto de vista, com a consciência de que sempre posso estar equivocado nas minhas opiniões. A mudança de perspectivas nos traz experiências e diversas vezes podemos ver as coisas de outra maneira. Isso é uma das maravilhas de estar aqui. Mudar de ideia sem medo e teimosia. Tem gente que tem vergonha, é o super ego magnificado.
Mas enfim, o que pretendia com esse post era expressar algo que me acontece com certa frequência. Às vezes sinto sensações absurdas, variáveis, emoções extremas e logo vem a necessidade automática de expressar isso com palavras e simplesmente elas desaparecem. Então lembro da crônica de Vinicius de Moraes.
O exercício da crônica
Escrever prosa é uma arte ingrata. Eu digo prosa fiada, como faz um
cronista; não a prosa de um ficcionista, na qual este é levado meio a
tapas pelas personagens e situações que, azar dele, criou porque quis.
Com um prosador do cotidiano, a coisa fia mais fino. Senta-se ele diante
de sua máquina, acende um cigarro, olha através da janela e busca fundo
em sua imaginação um fato qualquer, de preferência colhido no
noticiário matutino, ou da véspera, em que, com as suas artimanhas
peculiares, possa injetar um sangue novo. Se nada houver, resta-lhe o
recurso de olhar em torno e esperar que, através de um processo
associativo, surja-lhe de repente a crônica, provinda dos fatos e feitos
de sua vida emocionalmente despertados pela concentração. Ou então, em
última instância, recorrer ao assunto da falta de assunto, já bastante
gasto, mas do qual, no ato de escrever, pode surgir o inesperado.
Alguns
fazem-no de maneira simples e direta, sem caprichar demais no estilo,
mas enfeitando-o aqui e ali desses pequenos achados que são a sua marca
registrada e constituem um tópico infalível nas conversas do alheio
naquela noite. Outros, de modo lento e elaborado, que o leitor deixa
para mais tarde como um convite ao sono: a estes se lê como quem mastiga
com prazer grandes bolas de chicletes. Outros, ainda, e constituem a
maioria, "tacam peito" na máquina e cumprem o dever cotidiano da crônica
com uma espécie de desespero, numa atitude ou-vai-ou-racha. Há os
eufóricos, cuja prosa procura sempre infundir vida e alegria em seus
leitores e há os tristes, que escrevem com o fito exclusivo de desanimar
o gentio não só quanto à vida, como quanto à condição humana e às
razões de viver. Há também os modestos, que ocultam cuidadosamente a
própria personalidade atrás do que dizem e, em contrapartida, os
vaidosos, que castigam no pronome na primeira pessoa e colocam-se
geralmente como a personagem principal de todas as situações. Como se
diz que é preciso um pouco de tudo para fazer um mundo, todos estes
"marginais da imprensa", por assim dizer, têm o seu papel a cumprir. Uns
afagam vaidades, outros, as espicaçam; este é lido por puro deleite,
aquele por puro vício. Mas uma coisa é certa: o público não dispensa a
crônica, e o cronista afirma-se cada vez mais como o cafezinho quente
seguido de um bom cigarro, que tanto prazer dão depois que se come.
Coloque-se
porém o leitor, o ingrato leitor, no papel do cronista. Dias há em que,
positivamente, a crônica "não baixa". O cronista levanta-se, senta-se,
lava as mãos, levanta-se de novo, chega à janela, dá uma telefonada a um
amigo, põe um disco na vitrola, relê crônicas passadas em busca de
inspiração - e nada. Ele sabe que o tempo está correndo, que a sua
página tem uma hora certa para fechar, que os linotipistas o estão
esperando com impaciência, que o diretor do jornal está provavelmente
coçando a cabeça e dizendo a seus auxiliares: "É... não há nada a fazer
com Fulano..." Aí então é que, se ele é cronista mesmo, ele se pega pela
gola e diz: "Vamos, escreve, ó mascarado! Escreve uma crônica sobre
esta cadeira que está aí em tua frente! E que ela seja bem-feita e
divirta os leitores!" E o negócio sai de qualquer maneira.
O ideal
para um cronista é ter sempre uma os duas crônicas adiantadas. Mas eu
conheço muito poucos que o façam. Alguns tentam, quando começam, no afã
de dar uma boa impressão ao diretor e ao secretário do jornal. Mas se
ele é um verdadeiro cronista, um cronista que se preza, ao fim de duas
semanas estará gastando a metade do seu ordenado em mandar sua crônica
de táxi - e a verdade é que, em sua inocente maldade, tem um certo
prazer em imaginar o suspiro de alívio e a correria que ela causa,
quando, tal uma filha desaparecida, chega de volta à casa paterna.
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