terça-feira, 21 de maio de 2013

Oscar Wilde


Quem Poderá Calcular a Órbita da sua Própria Alma?  

As pessoas cujo desejo é unicamente a auto-realização, nunca sabem para onde se dirigem. Não podem saber. Numa das acepções da palavra, é obviamente necessário, como o oráculo grego afirmava, conhecermo-nos a nós próprios. É a primeira realização do conhecimento. Mas reconhecer que a alma de um homem é incognoscível é a maior proeza da sabedoria. O derradeiro mistério somos nós próprios. Depois de termos pesado o Sol e medido os passos da Lua e delineado minuciosamente os sete céus, estrela a estrela, restamos ainda nós próprios. Quem poderá calcular a órbita da sua própria alma?

 

Não Tenhas Medo do Passado  

Não tenhas medo do passado. Se as pessoas te disserem que ele é irrevogável, não acredites nelas. O passado, o presente e o futuro não são mais do que um momento na perspectiva de Deus, a perspectiva na qual deveríamos tentar viver. O tempo e o espaço, a sucessão e a extensão, são meras condições acidentais do pensamento. A imaginação pode transcendê-las, e mais, numa esfera livre de existências ideais. Também as coisas são na sua essência aquilo em que decidimos torná-las. Uma coisa é segundo o modo como olhamos para ela.  

 

  A Imoralidade da Moral 

 A discórdia é sermos obrigados a estar em harmonia com os outros. A nossa própria vida é o que há de mais importante. Agora, se quisermos ser pedantes ou puritanos, podemos tecer as nossas considerações morais sobre a vida dos outros, mas estas não nos dizem respeito. Para além disso, o individualismo é realmente o mais elevado dos ideais. A moralidade moderna consiste na aceitação dos modelos da nossa época. Julgo que aceitar o modelo da nossa época será, para qualquer homem culto, a mais crassa das imorallidades. 
 

  A Beleza da Tragédia  

É frequente desencadearem-se as verdadeiras tragédias da vida de uma maneira tão pouco artística que nos magoam com a sua crua violência, a sua tremenda incoerência, carecendo absolutamente de sentido, sem o mínimo estilo. Afectam-nos do mesmo modo que a vulgaridade. Causam-nos uma impressão de pura força bruta contra a qual nos revoltamos. Por vezes, porém, cruzamo-nos nas nossas vidas com uma tragédia repassada de elementos de beleza artística. Se esses elementos estéticos são autênticos, todo o episódio apela à nossa apreciação do efeito dramático. De repente deixamos de ser actores e passamos a espectadores da peça. Ou antes, somos ambas as coisas. Observamo-nos, e todo o encanto do espectáculo nos arrebata.

Insanidade

Perco a cordura tranquilamente para insandecer de vez. As máscaras são reflexos do que se pretende ser. O disfarce é para os que se consideram astutos, mas que intrinsecamente são fracos. Não, não há aqui um julgamento, afinal cada um tem o seu próprio tempo e somos humanos. Podemos não entender ou até mesmo rechaçar a simples vista. Mas não podemos olvidar que estamos baixo o mesmo céu e que há mais coisas que nos aproximam do que nos separam. A consternação de que a sintonia não existia.
Amplexos furtivos, onde o desejo é sentido de forma unilateral. Contrariar o que se aprende, caimos do pedestal da ingenuidade quando mantemos a crença de que sim, tudo pode ser possível. Podemos sonhar, angariar pretextos para reiterar que a fortaleza de um desejo pode ser indestrutível. Desconstruir ideias, conceitos, romper paradigmas... estraçalhar por dentro o último suspiro da esperança.
Dejetos que poderiam ser puros, mas que são definidos como asquerosos quando não há o toque do espírito. A essência complexa a cada ser, inerente a sua própria condição individual.
Louco desvairado, bêbado de tristeza e desilusão. O perigo de limitar-se a outro campo que curiosamente é construído com os mesmos átomos. Daí a inconstestável presença de algo supremo. Como um jogo virtual, comandado por um sádico, sim, sádico agora, porque tenho a cólera trafegando internamente nas minhas veias. É passageiro, pois logo me redimirei... a redenção dos feridos que presunçosamente acreditam que são bons e merecedores de consumar isso que todos almejam. Cargo um texto de metáforas porque não há pretensão de que nunca ninguém possa entender esses momentos de devaneios. Minha alma já se encarregará de encontrar o equilíbrio, mas enquanto isso não acontece... masturbo a mente e estrupo a minha coerência.
Há tesão na loucura, na ira... logo tudo isso chegará a uma catarse e voltarei ao ponto equilibrado. Mas enquanto isso não acontece, aproveito o tempo que isso sinto para vociferar o que dentro do meu egocentrismo considero pura injustiça. Incrível, há um puro egoísmo em tudo isso. Magnificado, potencializado... "se" ou "quase" não são suficientes para quem sente a ira dos deuses.
Bem resolvido estou, quando não tenho uma puta flecha cravada no peito. Abro mentalmente o coração e cuspo toda a berbena que ela me trouxe. Fugaz. Efêmero.
Oh lord... que a porra da fantasia pueril volte ao seu calcês e a calma não permita que essa simples bolsa material não exploda diante do espelho.Basta de sofismas.
Oxalá essa energia permanecesse um tempo mais e que a minha natureza não me traísse. Me impulsaria a fazer o que sempre fiz, por outros motivos. É tempo de mudança... é hora de reconsiderar o norte outra vez. Agora sou híbrido e caminho inexoravelmente para a complexidade da simplicidade do fim.


O exercício da crônica

Escrever é um exercício que eu realmente gosto. E muitas vezes quando estou dissertando sobre algum assunto determinado, vou digitando sem pensar muito no resultado e independente dele, sinto essa satisfação que somente as pessoas que o faz, conhece. Funciona como terapia, pois exorcizamos demônios ao exteriorizar nossas inquietações. Tento ser discreto quando falo dos meus sentimentos, tento não, talvez eu realmente seja assim. Por isso uso metáforas. A interpretação fica livre para quem lê. Quando isso ocorre, quando alguém entende o que exponho, existe essa sensação mágica de sintonia e automaticamente se reitera a crença de que estamos todos conectados, alguns mais e outros menos, pois cada um tem o seu próprio tempo. É bom saber que somos vários que coexistimos na mesma vibração. Somos felizes naturalmente e não dependemos de ninguém para sentir a felicidade. Mas como qualquer outro sentimento, quando vemos reflexos em outros pontos, a sensação se multiplica. Sentimento de identidade coletiva.
Mas também gosto de escrever de forma objetiva e pragmática. Deixar meu ponto de vista, com a consciência de que sempre posso estar equivocado nas minhas opiniões. A mudança de perspectivas nos traz experiências e diversas vezes podemos ver as coisas de outra maneira. Isso é uma das maravilhas de estar aqui. Mudar de ideia sem medo e teimosia. Tem gente que tem vergonha, é o super ego magnificado.
Mas enfim, o que pretendia com esse post era expressar algo que me acontece com certa frequência. Às vezes sinto sensações absurdas, variáveis, emoções extremas e logo vem a necessidade automática de expressar isso com palavras e simplesmente elas desaparecem. Então lembro da crônica de Vinicius de Moraes.

                                            O exercício da crônica

Escrever prosa é uma arte ingrata. Eu digo prosa fiada, como faz um cronista; não a prosa de um ficcionista, na qual este é levado meio a tapas pelas personagens e situações que, azar dele, criou porque quis. Com um prosador do cotidiano, a coisa fia mais fino. Senta-se ele diante de sua máquina, acende um cigarro, olha através da janela e busca fundo em sua imaginação um fato qualquer, de preferência colhido no noticiário matutino, ou da véspera, em que, com as suas artimanhas peculiares, possa injetar um sangue novo. Se nada houver, resta-lhe o recurso de olhar em torno e esperar que, através de um processo associativo, surja-lhe de repente a crônica, provinda dos fatos e feitos de sua vida emocionalmente despertados pela concentração. Ou então, em última instância, recorrer ao assunto da falta de assunto, já bastante gasto, mas do qual, no ato de escrever, pode surgir o inesperado.
Alguns fazem-no de maneira simples e direta, sem caprichar demais no estilo, mas enfeitando-o aqui e ali desses pequenos achados que são a sua marca registrada e constituem um tópico infalível nas conversas do alheio naquela noite. Outros, de modo lento e elaborado, que o leitor deixa para mais tarde como um convite ao sono: a estes se lê como quem mastiga com prazer grandes bolas de chicletes. Outros, ainda, e constituem a maioria, "tacam peito" na máquina e cumprem o dever cotidiano da crônica com uma espécie de desespero, numa atitude ou-vai-ou-racha. Há os eufóricos, cuja prosa procura sempre infundir vida e alegria em seus leitores e há os tristes, que escrevem com o fito exclusivo de desanimar o gentio não só quanto à vida, como quanto à condição humana e às razões de viver. Há também os modestos, que ocultam cuidadosamente a própria personalidade atrás do que dizem e, em contrapartida, os vaidosos, que castigam no pronome na primeira pessoa e colocam-se geralmente como a personagem principal de todas as situações. Como se diz que é preciso um pouco de tudo para fazer um mundo, todos estes "marginais da imprensa", por assim dizer, têm o seu papel a cumprir. Uns afagam vaidades, outros, as espicaçam; este é lido por puro deleite, aquele por puro vício. Mas uma coisa é certa: o público não dispensa a crônica, e o cronista afirma-se cada vez mais como o cafezinho quente seguido de um bom cigarro, que tanto prazer dão depois que se come.
Coloque-se porém o leitor, o ingrato leitor, no papel do cronista. Dias há em que, positivamente, a crônica "não baixa". O cronista levanta-se, senta-se, lava as mãos, levanta-se de novo, chega à janela, dá uma telefonada a um amigo, põe um disco na vitrola, relê crônicas passadas em busca de inspiração - e nada. Ele sabe que o tempo está correndo, que a sua página tem uma hora certa para fechar, que os linotipistas o estão esperando com impaciência, que o diretor do jornal está provavelmente coçando a cabeça e dizendo a seus auxiliares: "É... não há nada a fazer com Fulano..." Aí então é que, se ele é cronista mesmo, ele se pega pela gola e diz: "Vamos, escreve, ó mascarado! Escreve uma crônica sobre esta cadeira que está aí em tua frente! E que ela seja bem-feita e divirta os leitores!" E o negócio sai de qualquer maneira.
O ideal para um cronista é ter sempre uma os duas crônicas adiantadas. Mas eu conheço muito poucos que o façam. Alguns tentam, quando começam, no afã de dar uma boa impressão ao diretor e ao secretário do jornal. Mas se ele é um verdadeiro cronista, um cronista que se preza, ao fim de duas semanas estará gastando a metade do seu ordenado em mandar sua crônica de táxi - e a verdade é que, em sua inocente maldade, tem um certo prazer em imaginar o suspiro de alívio e a correria que ela causa, quando, tal uma filha desaparecida, chega de volta à casa paterna. 

 


quarta-feira, 8 de maio de 2013

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Forasteiro no próprio país


O falecido neuropsiquiatra Décio Nakagawa cunhou a expressão "síndrome do regresso" para definir o "jet lag espiritual" que afeta os ex-imigrantes. Ainda estando na Espanha, li matérias relacionadas a este assunto, indicadas por uma amiga que se preocupava comigo, quando revelava a minha pretensão de retornar ao Brasil.
Apesar de conhecimento e considerar que eu tinha uma estrutura emocional para voltar ao lugar onde nasci sem maiores crises, na prática, percebi que mesmo tendo em conta todas as mazelas brasileiras e tê-las vivido a maior parte da minha vida, ainda assim acabei sendo atingido.
A reintegração ao mercado de trabalho não é tão fácil. Custa assimilar realidades diferentes. Na Espanha, onde não existia esse abismo entre classes sociais, trabalhando com uma remuneração mínima era suficiente para suprir necessidades básicas , além de ter acesso a cultura e lazer. Sempre recordo a frase de outra amiga que dizia que era preferível ser pobre na Europa do que no Brasil. E sempre soube que ela estava certa.
Mas independente das adversidades que aqui existem, aprendemos a controlar essa indignação com o tempo. Não quero perder isso, mas não posso sofrer por tudo que vejo. A falta de seriedade nas instituições e nas pessoas. Lembro constantemente das observações feitas na década de 30 do século passado por Sérgio Buarque de Holanda, no livro "Raízes do Brasil". Esse tremendo caos pela falta de organização e respeito ao próximo. Um país mestiço construído com pilares da parte negativa de cada cultura trazida para cá.
São observações genéricas sobre a situação brasileira. Mas olhando mais para dentro, o pior de tudo é o que acontece com a gente internamente.
Mesmo conservando os amigos de sempre, quando cheguei ao Brasil, senti que não me encaixava em lugar nenhum. E assim continua sendo. Quando parti, o trem continuou andando por aqui. Não há muito do que deixei há doze anos. Minha gente mais querida acabou de acostumando com a minha ausência e isso acaba sendo recíproco. São consequências naturais e comuns. O sentimento de amor e amizade segue sendo o mesmo, inalterável. Mas tenho a sensação de não estar em sintonia com os demais. E prometo que não há nenhuma queixa nessas constatações, são apenas isso, constatações.
Ter outras referências acaba impulsando o ato de comparar de forma constante, chega ser quase inevitável. Equilibrar isso é fundamental para seguir disposto a continuar. Apesar de ter duas nacinoalidades, o sentimento apátrido é mais forte que nunca.