Há mais de uma década não acompanhava uma telenovela. Esse produto que está presente na vida dos brasileiros há muito tempo e que outrora fora a única forma de entretenimento para a massa, resiste e sobrevive a uma realidade onde a oferta de diversão é cada vez maior.
Acompanho desde o primeiro capítulo a novela "Salve Jorge", embora a minha intenção era não acompanhar nada que tomasse tanto o meu tempo em um período tão longo.
A diversidade de núcleos e o número excessivo de personagens acaba às vezes, criando uma certa resistência, principalmente para os que exigimos obras mais dinâmicas e sintetizadas. É um verdadeiro exercício de paciência.
Leio e escuto várias críticas sobre a obra de Glória Perez. Eu mesmo sinalizei várias incoerências, esquecendo às vezes que se trata de uma obra de ficção. Talvez seja pelo desejo de não ver as personagens que me simpatizo caindo nas garras dos "malvados" pelo alto grau de ingenuidade.
Mas apesar de ser fictícia, a história da novela das nove aborda um assunto bastante delicado e exerce um papel social importante. Em pleno século XXI e com a facilidade de informações que temos, parece inconcebível que alguém realmente caia no conto encantado de obter trabalho com tantos benefícios no exterior. Mas isso é real e a autora não está inventando nada.
Normalmente as pessoas que são traficadas não tem instrução suficiente para discernir o quanto é falso uma oferta como essas. O Brasil não é conhecido pela educação de alta qualidade e tampouco por ser um país de igualdade social. A novela chega em todos os lares e pode ajudar a abrir os olhos de gente que poderia ser alvo de máfias como a que comanda a personagem de Cláudia Raia.
Não é raro ver reportagens na Espanha sobre desarticulação de quadrilhas que traficam pessoas. Em pleno centro histórico de Madri, na calle Montera, podemos ver dezenas de mulheres trabalhando ali. São vigiadas constantemente pelos seus algozes. Para nós que transitamos por ali, são apenas mulheres prostitutas. Desconhecemos como elas chegaram até ali.
Normalmente as traficadas dos países do leste europeu, são mantidas exatamente da forma que Gloria conta em "Salve Jorge". Sequestram o passaporte delas, ameaçam os familiares delas em seus países de origem e quando qualquer uma foge da regra, a máfia acaba cumprindo a promessa.
Li algumas histórias que me sensibilizou bastante. Uma delas era de uma romena que tinha dois filhos e que estava na condição de escrava sexual havia dois anos na Espanha. Quando ela fugiu e foi buscar ajuda da polícia, incendiaram a casa da família dela em uma cidadezinha próxima a Transilvânia. No incêndio, a mãe e os filhos morreram. Os bandidos fazem essa notícia chegar às que ficam e obviamente as coagem dessa maneira. Parece fácil resolver esse drama estando fora da situação, mas o terror que elas vivem, somente elas conhecem.
Também na Espanha, as garotas que procedem de países africanos, são mantidas como escravas sexuais e a máfia aproveita a crença religiosa delas para mantê-las reféns. Parece um absurdo e na verdade é, mas como julgá-las sem conhecer o contexto cultural delas? Se sentem aterrorizadas que possam fazer magia negra contra elas.
Críticas sobre os personagens de Glória são feitas por muita gente, mas percebo que várias delas acabam sendo geradas pela impotência e angústia que muitas situações apresentadas acabam produzindo.
Quanto as incoerências e repetições de comportamento no mundo de "Salve Jorge", vejo simplesmente como uma mera questão de humanizar os personagens e dar uma essência de realidade a esse conto.
Parabéns a Glória Perez pela intenção e desenvolvimento da trama. É necessário ter muito talento para construir uma obra tão ambiciosa que é uma telenovela. E também parabenizo a alguns atores que exercem magnificamente o seu trabalho, como Giovanna Antonelli, Dira Paes, Totia Meireles e Caco Ciocler.
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