No dia 26 do mês passado, faleceu, em
decorrência de uma criptococose, a polifacética Cláudia Wonder, uma das pioneiras
na luta pelos Direitos Humanos GLBT no Brasil.
Cantora, compositora, escritora, colunista,
atriz, artista performer e um ser humano cheio de virtudes admiráveis.
Cláudia nasceu em São Paulo, no ano de
1954. Desde pequena, descobriu sua intersexualidade e já na adolescência
começou a frequentar a noite paulista. Fazendo performances de Judy Garland,
Marylin Monroe e de outras divas da
época, rapidamente passou a ser um dos nomes mais importatantes das grandes
casas de espetáculos de transformismo.
Logo partiu para o teatro e cinema,
chegando a substituir Sônia Braga no espetáculo teatral, dirigido por Zé Celso,
“O Homem e o Cavalo”. No cinema, contracenou com atores relevantes, sob a
direção de Carlos Manga, Hector Babenco, Lauro César Muniz, Alfredo Sterhein,
entre outros.
Enquanto nos anos oitenta, os espanhóis
viviam a explosão da “movida madrileña”, Cláudia Wonder protagonizava o que
poderíamos chamar de “movida paulista”. Transgressora e ousada, foi vocalista
do grupo de rock “O Jardim das Delícias” e impactou os espectadores da lendária
Madame Satã, com o show “O vômito do mito”, no qual ela demonstrava que uma
transexual também era capaz de cantar, além de dublar. Foi o grande ícone do
cenário underground daquela época.
Pelo talento e a proposta que oferecia para
a sociedade, deveria ter alcançado a fama na esfera nacional. Mas ao contrário
do que aconteceu aqui na Espanha, depois da ditadura, o Brasil continuou sendo
um país conservador e fechado, incapaz de reconhecer sua arte e ousadia. A
hipocrisia da moralidade e dos bons costumes manteve Cláudia à margem e, no meu
ponto de vista, considero lamentável que sua voz (em todos os sentidos) não
teve o alcance merecido.
As transexuais sofrem uma batalha diária na
grande guerra que é a própria vida para elas. Discriminadas e repudiadas, desde
que acordam até a hora de irem dormir, ousar romper essa norma é um verdadeiro
mérito. Cláudia Wonder foi uma das primeiras a reinvidicar o direito ao
respeito e a igualdade na sociedade.
Enquanto o país lutava pela redemocratização,
ela militava para que as travestis não fossem assassinadas nas ruas. No dia em
que foi anunciada a morte de Tancredo Neves, Cláudia organizou uma passeata,
talvez a primeira no Brasil, protestando pelo tratamento violento que sofriam
os homossexuais e transgêneros. O evento foi ofuscado pela notícia do
falecimento do presidente.
Foi coordenadora do Grupo de Estudos da
Identidade de Gênero, Flor do Asfalto. Trabalhava como monitora de abordagem e
comunicação do Centro de Referência da Diversidade, da cidade de São Paulo, que presta assistência
às pessoas marginalizadas.
Era militante de alma. Lutava pelo que acreditava.
Inteligente e valente. Não aceitava o patamar de inferior e brigou até seus
últimos dias pelas pessoas em situações extremas de vulnerabilidade.
A militância GLBT no Brasil perdeu uma de
suas maiores representantes.
Costumamos admirar o que nos identifica.
Qualquer pessoa que possua qualidades humanas básicas e seja consciente da
realidade injusta em que vivemos, vê na figura de Cláudia, a expressão exata da voz que gritava para os ouvidos surdos dos humanos medíocres.
No documentário “Meu Amigo Cláudia”, de
Dácio Pinheiro, podemos conhecer um pouco sobre sua trajetória artística e
pessoal, sem dúvida, uma grande lição para todos nós.
“Existe um grande preconceito entre os
discriminados. É o gay que não gosta de travesti, é travesti que não gosta de
sapatão. É transexual que não gosta de ser confundida com travesti. É dizer,
tudo isso é gerado pela homofobia internalizada de cada um. No fundo ninguém
quer ser viado, ninguém quer ser sapatão. Todo mundo quer parecer bonitinho e
limpinho.” (Cláudia Wonder).